sexta-feira, 16 de abril de 2010

Guardador de Rebanhos

XXXIX


O mistério das cousas, onde está ele?

Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?

Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?

E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?

Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas

É elas não terem sentido oculto nenhum,

É mais estranho do que todas as estranhezas

E do que os sonhos de todos os poetas

E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as cousas sejam realmente o que parecem ser

E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: –

As cousas não têm significação: têm existência.

As cousas são o único sentido oculto das cousas.
 
 
Alberto Caeiro

sexta-feira, 9 de abril de 2010

NUDEZ OBLÍQUA





É um desejo que temos idealizado

Desnudar o pudor deliciosamente

Tornar públicas as genitálias

Há verdade nisso



Demonstrando a realidade das nossas formas

O ímpeto do nosso corpo ferramenta

Vê-se o quão simples é a animalidade

A curva do vento nas ancas



Mas a praxe oculta a grande ânsia

O tabuzinho esdrúxulo do encobrimento

Porque tememos o nosso nudismo

Mas amamos assistir o alheio



Morrer com gosto é morrer sem roupa

Como quando irrompemos do útero

Pelo prazer copular somos bem vindos pelados

No auge a arte aplaude todo o contorno



Nus vamos ao nosso próprio encontro

À crua singularidade em natureza

Assim tudo é feito com majestade

No clímax do estado vital.