quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Teatro de Espíritos



O movimento enérgico eu vejo.
Transparente ele é, invisível aos banais
Saído do exalar das coisas pequenas,
E eu prorrogo um pouco mais o meu erro.


Alcoólatras, executivos, ceifadores,
Amantes dos vícios não naturais,
Um incômodo na garganta, mas inesquecível.
Qual será meu fardo, dentro do meu destino?


Na corrente de corpos o pão se ganha,
No pilar da Instituição imponho minha remissão,
A fim de acalmar o pudor, bebericar meu líquido.
É a mesma hipocrisia das crianças,
Mas adulta, recheada de parâmetros.

Parem o horário de almoço, desfrutemos o que sente a célula.
Pontuando os pecados, vamos jogar com fé, sem vergonha.
Peça ao pombo cagão que plante um Jatobá,
Será mais útil que um homem, mesmo agricultor.

E os livros vão fazer sua história,
Xavier irá psicografar o além mundo,
A ponte será construída,
Engenheiros vão falir.

A verdade é que as etnias são a guerra interna do mundo,
Paz só se conhece na morte,
E os vinte e sete por centro de terra são o motivo, sempre,
Para o último tiro.

As Almas são para deuses, os corpos para médicos legistas.
Espíritos são para a Natureza, cadáveres para a terra.
A vocação das coisas é aparentar ter função,
Nunca pedi ao topo da cadeia para pensar tanto,
E tão alto.

Quem sabe a África não perdoa os macacos,
A engrenagem por sorte não esmaga a ciência,
Os homens quiçá amem as pedras como amam a si próprios,
E a dramaturgia não exista somente neste mundinho.


Daniel Monteiro

domingo, 23 de novembro de 2008

Novo Chão

O novo chão os pés não sentem
A sujeira não se acomoda
A reflexão é profunda

É como ficar sem base
Um vazio branco de retidão
Uma densidade sem relevo feito

Sua textura dá aflição
Com infinidade sem destino
Num andar solto pelo vácuo.


Daniel Monteiro

sábado, 8 de novembro de 2008

Cão Infiel





Era um cão uma vez desses infiéis
Não do tipo que não tinha dono
Ou queda por um outro alguém
Era dono dos tolos
Das vielas cravejadas de inimigos
Do chão por onde andavam suas patas
Fungador preferido do fundo das fêmeas
Valente na fuga
Com o bife almejado bem fácil entre os dentes
Esnobe de carrapatos
Seu lar no tapete do Planalto
Seu cheiro o fedor nobre dos caninos
Mas fugia dos carinhos
Não abanava rabo de graça
Cachorro louco das guaridas
Não castrado pelo instinto
E infiel
Um cão desses de rua
Filho da penumbra
Abolido de dono até os ossos.


Daniel Monteiro



quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Quarta Noite


Já tinha raspado do coito
e do arrependimento raspou
a esperança;
Fugiu de cá para lá
mas a dor branca
continua e está
Na morte eminente
de todos os dias
sonhava correndo
em ser rachado
Em quatro pedaços
(lascou a água no cimento)
(queimou o ar fedorento)
(semeou erva daninha em terra roxa)
(ateou chamas na cidade que também ardia)
como uma ferida fresca no frio.

Daniel Monteiro

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Jazida de Corpos

O planeta é como um resfolegante entreposto de carnes
Suam as artérias articulares da pelagem
Lambuzando o roçar das coxas animais
As vísceras expostas do instinto assediando o próximo
E o próximo molestando seu sexo público de passagem

O desejo espremido do abade
Reprime a sanidade arcana ao limiar do viço
E a forja do celibato tátil
Incute a pureza nua na vassalagem
Criando o mal devasso no claustro


No tal montante das putarias
Alcovita quem quer gozo e corrimento

Coleciona genitálias a baixo custo
Angariando úteros na feira livre do crepúsculo


Antes fossemos como peixes num depósito de óvulos
Mas como somos encaixe de órgãos
Um roçar de músculos viscosos
Permanecemos pela transmissão universal
Alastrando epidemias galáticas
Numa núpcia viral

No entrebate tumultuado do núcleo urbano
Gavetas alvas conservam cadáveres um dia já quentes
Solos públicos acolhem moribundos etílicos
Ruas espremidas banalizam e indiferenciam
Os corpos andantes e mundanos do homem
Ofertando humanos num cardápio telefônico


Este é o mal carnal no limite do abuso
A podridão da proteína no clímax do atrito
Toda a reprodução sexuada pela delicadeza do vínculo
Nenhum corpo a sair ileso pela contaminação do submundo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

CORAJOSO ESCARLATE

Bem pulsantes são as engrenagens do coração
Átrio, aurícula e ventrículo
Amantes de um bom sangue arterial
Jocosa é razão de tal batimento dinâmico
Tateando outro peito alheio encostado ao teu
Distribui as delícias da reposição orgânica
Bombeando o líquido venoso pelo ralo
Insaciável órgão-mor involuntário

Se chora bate, bate se sorri
Se brinca bate, bate se briga

Bombeia na mesura perfeita
Incessante de fé, prova da vida
Com um púrpura chamejante
Abocanha os sentimentos vividos
Para ele corriqueiros
Em bocadinhos
O tom de voz sempre mais alto que o da mente
Irrigado de nobreza
Muito embora entupido de ansiedade
E gostosamente irresponsável por natureza

Bate cansado, enérgico bate
Bate surpreso, traído bate

Movido pelo ímpeto e pela coragem
De amar aqui e acolá
Amor de mãe, de irmão ou de tesão
Rocha de carne inveterada
Infalível nos negócios do amor próprio
Com os corpos quentes dele dependentes
Amores loucos dele correspondentes
Caminhos tortos é ele inconseqüente
Provando num só tempo a rigidez e a fragilidade
A fraqueza e a caridade
Escondendo tristeza com felicidade
E bomba, bomba completando o ciclo interno
Mantendo o tal círculo dos assuntos externos

Com medo bate, bate com coragem
Bate com ódio, com amor bate

E enquanto estiver vivo
Coradinho,
O resto vive no seu ritmo.

sábado, 20 de setembro de 2008

Sujo é limpo

Vivemos dependendo totalmente da curiosidade
Sobrevivendo com o poder de morrer no êxito
E morrendo para ceder espaço aos noviços egoístas,
Pela balança humana favorável.
“Ohhhhh! Que lindo esse bebezinho amável!
Mas aquela mulherzinha arrogante é por demais enojante!”
Amamos porque somos mortais
E odiamos para felicitar a vida
ou facilitá-la
Num buquet moribundo de promessas
Os antônimos se escoram
Os sujeitos se exploram
Arrumando algum jeito de rejeitar a si próprios

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Timbre Oco

A gritaria subsaariana esgoela uma fome impassível
Na minha casa tenho iogurte, vaca assada, feijão preto
A manhã da América é de ovo rei
De entupimento dos sentidos
E de egoísmo

A mendigagem bonita por dentro tem moradia ao ar livre
Tem peito de pedir um troco ou etílico
Envergonha-se de não vacinar seu cão de amarra
De não amar os transeuntes

Já vem lá a carroça urbana, apapelada de angústia
Veio cá o miserável, enveredando pelas vielas
Cantando embargado, andar entortado
Aguardando a doença certa

Como é ávida a coreografia dos necessitados de tudo
Berram, esperneiam, esganiçam e esmolam o pouco
O necessário para o mantimento da vida medíocre
Estalando em suas gargantas o timbre oco

Aclamados homens-gabiru aproveitadores da réstia
Determinados são pelo que ingerem e vestem
Envenenam suas vidas encubados em choças
A lamúria pura de homens concernes

A casta esforçada de excludentes implora
Rangem os dentes por um nada qualquer
Tão vácuo seus estômagos como o futuro é incerto
Permanecem na trilha para timbrar a passagem

Um passado de glória esculpiu o topo no clímax
O luxo, a ostentação e a avareza itinerante
Levado do apogeu ao fio de pedra
Subindo à cabeça o descontrole

Como é ávida a coreografia dos necessitados de tudo
Berram, esperneiam, esganiçam e esmolam o pouco
O necessário para o mantimento da vida medíocre
Expulsando de suas gargantas o timbre oco

Nessas vozes abafadas de todos os medos
Vacilou mais quem não chapou
Não errou quantas vezes quis
E não amou o amor

O dinheiro mal gasto é a grana bem empregada
Esfolada na cana e na carne
No prazer passageiro do retirante
Vendo a bufunfa rapidamente em migalhas

Assim é a comodidade de quem não tem nada
O que já foi dele é dos outros
Sem preocupação com posses e pertences
Nem consigo próprio honestamente

Como é ávida a coreografia dos necessitados de tudo
Berram, esperneiam, esganiçam e esmolam o pouco
O necessário para o mantimento da vida medíocre
Esboçando em suas gargantas o timbre oco

Ter a favela afivelada na cinta
É a segurança choldra do vivente
Conhecer o pútrido e o devasso
A área interna da mente dos ratos

Assim nada é como ter tudo do ruim e do pior
Barraco, resto e trapo esgarçado
Não a casa, comida e roupa lavada
Sim o vício, o jogo e a tara

E ao som do tilintar da lâmina sanguínea
A paria se humilha por uma chance de viver
Matam uns aos outros na combustão do fogo ou no ferro
Morrendo sem ver a culpa do mundo louco,
sem mérito

Como é ávida a coreografia dos necessitados de tudo
Berram, esperneiam, esganiçam e esmolam o pouco
O necessário para o mantimento da vida medíocre
Mumurando de suas gargantas o timbre oco.


Daniel Monteiro

sábado, 2 de agosto de 2008

Poesia Matutina

Com o arfar da aurora
Vem logo o bocejo alegre
Um retumbar novo de vontade
E um remelado bem servido dos olhos

O lirismo do bico do pássaro
varre as incertezas do medo do dia
Inspirando o plano corajoso

Retira o peso vacilante da rede!
Vai-te embora do horizonte da cama!
Verticaliza as metas
Apura o leite branco naturado
Engula o café preto de reforço
Imagine mensagens risonhas às pessoas queridas

Com sorte um verde orvalho do solstício cai-lhe à cabeça
Uma garota escolar lhe esboce um sorriso vivo
E a senhora errante peça um atravessar de rua

Do jornal talvez saltem aos olhos boas notícias
Na condução surgir de repente uma conversa amiga
E aquele antigo flerte matinal dar-lhe bom dia!

Alegre e vívida é sempre a fortaleza manhã
Uma vez que ela é o preparo de todo um dia
É onde o sol amarelo bate com sutileza
E todas as coisas são mais bonitas.
Bom dia!

Daniel Monteiro

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Macaco Engasgado

Símio é pelo produto total do organismo
Macaco engasgado num gingado bem solto
Um tenaz malogro alheio ao eufemismo
Feliz menino avesso a qualquer soldo

Teu amor estribilha na fagulha matutina
Centelha emboada na medida do irrisível
Com arrojo tosco e a cabeça aturdida
Bem engenhoso tåo quanto um indizível

No talo da garganta um verbo embutido
Um resquício de vulto afeito e alargado
As mãos em chagas pelo caminho ferido
O sotaque sutil contra o entorno melado

A ação primata de gesto indefectível
Afunila o karma no seu canto original
Credencia a doutrina em baixo nível
Indagando pujança na mente marginal

Virilidade de feição bem provocante
A atitude arredia de quem é sagaz
Gago pela indulgência e pelo instante
Na condição vadia de quem o faz

Assim é o macaco engasgado no batuque da capacidade
Todo saturado de meias intenções doces e bem ardis
Envolto em fagia cultural e na premissa da verdade
Ignorando o homem torpo que nunca fez o que quis.



O primata supera o homem.


Daniel Monteiro



terça-feira, 10 de junho de 2008

Daniel Noite de Lua o Dia Inteiro

Desamarram seu cadarço e com um sorriso de cavalo lutou entre as cordas de seu pé. Numa dança gigantesca fez um baile de palavras e cuspiu nas bocas alheias todos os círculos de seus versos-touro. De beleza, que entra e não pede desculpa, não tem motivo, invade...
Que recebam o movimento dessa festa livre e façam com ela o furacão ou o silêncio que conseguirem. Nesse mar-menino que perambula, anda anda-noite e volta, volta, volta-onda. Homem sem chulé, flexão de cozinha e muitas meias para seus pés frios. Cachorro-Zelo e Pessoa-matéria-prima feliz, de Daniel Noite de Lua o Dia Inteiro.


Maria Fernanda Monteiro

terça-feira, 27 de maio de 2008

A Bota dos Altos




Sapatos classudos entrebatem no chão jocoso do logradouro rentável
Roçam-se eles suavemente na orla das cerâmicas enceradas -
tácitas e impecáveis
Uma em cada peça dessa – feita para a lona, de pisar –
mais valiosa e preferível que as sandálias do rueiro
Marrentos ambos
Rueiro esse de pé manco, marcado e mal nascido
O calçado em couro largo, esgarçado e mal doado
Em cima, sobre o calcanhar a canela sôfrega
em baixo, sob a sola a fatia almôndega
A botina alta que beija o piso logo se esfrega
no conforto púrpura almofadado
E o mendigo ralo que no batente se encosta
logo adoece com o mijo de um rato
Palmilhas e modelitos invejáveis de status
Reconfortam os pés polidos de donos abastados
Moldam as colunas mercantis e sórdidas
do calçamento privado
Alongam as fileiras infindáveis da moda egoísta
e do poder concentrado
Uma reles e pútrida combinação mesquinha
de vestuário com miséria empregatícia
A divisão do trabalho numa aquisição baixa
poucos em cima do salto alto e muitos sobre uma caixa
O couro mais fino e trabalhado, enfeitando o pé da luxúria,
advindo da indústria
O tal calo na mão dos proletários, subalternos de seus salários,
adquirindo o calçado inqualificado, o mais barato.


Daniel Monteiro

terça-feira, 13 de maio de 2008

O ESQUERDO

O puro e simples é o errado
É o que a gente não procura
Mas é o fato consumado


O sinistro ronda as categorias
Inverte os diálogos avulsos
E prima bonito pela boêmia


As conversas e gestos mentem patifarias
Sórdidas idéias de quem vive criativamente
Num universo de poucos e armadilhas


Quem é cachorro é o esperto da rua
Vive como insano e leva na malícia
Pronto seu pé esquerdo sob a sombra da lua


Assim o mundo desses loucos é bem simples
Todos se cruzam e entendem-se entre si
Ó bom destro
Na vontade branda dos humildes.


Daniel Monteiro



sexta-feira, 2 de maio de 2008

Violência gratuita, delivery!


Quando entrei no orkut pela primeira vez, minha intenção era a mais altruísta de todas, fazer amigos e quem sabe encontrar aí uma oportunidade de trabalho, mas o desânimo logo me pegou de solavanco e eu percebi quanta displicência e mesquinharia ainda existe, agora com mais força, entre esses jovens mal acostumados: quando escolhia algumas comunidades, nas quais na verdade deveria existir uma interação entre as pessoas, percebia de cara que cada amigo meu tinha pelo menos duas comunidades que odiavam alguma coisa – “Eu odeio alguém!” ou “Eu odeio alguma coisa!” – só para não ficarem de fora da modinha do ódio. Como se seus próprios inconscientes sugerissem essa aversão com naturalidade. Dói-me o peito ter que odiar alguma coisa.
Escancarou-se diante dos meus olhos a necessidade do homem pela violência, e no entanto, essas formas de brutalidade comumente vistas na mídia não provem originalmente de uma necessidade física, mas da imposição de um ideal, como os carecas neo-nazistas esterilizadores da minoria, ou de um comportamento, como as torcidas organizadas, ou o mais intrínseco e legítimo: o instinto, devaneio nervoso e gratuito.
Assim como os mais ricos e os mais pobres precisam se alimentar, em ambos, como humanos que são, é natural que necessitem se violentar. E ambas as classes ganham rios de dinheiro com isso. Os pobres pelo poder paralelo do tráfico, do crime organizado, operando assaltos e roubos, repulsas da realidade e à margem da sociedade, recaindo senão sobre eles o “mérito” pela perpetuação da violência. Já os ricos, por sua vez, como hipócritas e demagogos que são, se utilizam dessa mesma ira real para venderem o fascínio do cinema e da televisão, com a exarcebação e endeusamento da violência, hipnotizando a massa com seu próprio medo e banalizando a violência no conceito dos homens. Enfim, independe de cultura, credo ou etnia, basta ser humano.
Ah, mais aí alguém vai dizer, “não, basta ser animal para ser violento”. De fato. O problema é que o ser humano arrancou a violência de sua natureza original, instintiva, e deu a ela um outro caráter, de entretenimento, de necessidade essencial. Para nossa raça o instinto foi extrapolado, e nós não percebemos nem mais os nossos sentidos físicos, sobrando então uma terrível alta-dosagem de emoções confundidas, uma vez que para se produzir ódio ou amor, o corpo utilizará a mesma enzima.
No jogo do queridíssimo Corinthians, que no brasileiro de 2003 perdeu de 5 a 1 para o Santos, observei comovido os torcedores destruírem o ponto de ônibus e comerem no Habib’s saindo sem pagar – por um instante me senti tentado a fazer o mesmo –, para provarem que, mesmo perdendo o jogo, ainda possuem a Força e não podem ser subestimados. Matheus, prezado ex-amigo meu, conseguiu ser ainda pior: afirmou que vai ao jogo do São Paulo sempre, mas nem chega a prestar atenção no campo, seu objetivo é xingar os torcedores do outro time e, se possível, sai antes do jogo acabar para sangrar a mão de tanto dar porrada nos losers!
Uma melancolia corroída me atinge quando tenho lembranças dos humanos em sua mediocridade. No começo do ano, lá ia eu embora para casa na linha metropolitana de ônibus. Sem opções de assento, sentei-me na reservada para os idosos, não presentes no momento. Passou um tempinho e adormeci, vencido pela exaustão. De sopetão, me veio à nuca um tapa seco, rancoroso, cheio de desamor, vindo de um velhinho rabugento (minha violência normalmente é verbal) que, para alcançar sua meta (sentar-se no banco), utilizou-se da violência desnecessária e da covardia. Mesmo se estivesse acordado e cede-se o lugar a ele, o homem ainda me xingaria.
Eis o que queria dizer: é necessário descarregar a violência para não acumulá-la, e eu resolvo isso da forma menos violenta, dormindo no mínimo seis horas por dia, quando não estou sonhando com sangue. Quando liguei a televisão e o Maluf era prefeito, percebi que até os governantes exigiam um pouco de violência: “Estupra, mas não mata”. E por quê? Porque é muito eleitoreiro e atraente ser violento, e às vezes o sou contra minha própria vontade.
Mas pode acreditar, não somos nós que desejamos a violência, é a violência que nos deseja. Infelizmente temos que machucar as mãos para não ficar com a cara machucada. Mesmo pessoas de bem, que fazem de tudo para evitar truculências e selvageria, recebem delivery a sua violência de cada dia! E carrego no rosto a marca da perseguição, quando num ônibus fui alvo da ira humana e de uma pedra fulminante, que abriram ambas um rasgo logo abaixo dos meus olhos.
Então, quando já não tinha mais para onde correr, entrei no orkut, onde todos poderiam saber o que sinto, e inventei uma comunidade para desabafar de vez: “Eu odeio odiar!”. Que é bem lógico, não permiti que perpetuasse.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Estou sentido uma parada muito leve, bem singela, na batida da pulsação. É o amor que vem chegando, se revelando, instigando o coração.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Nada no mundo
é tão suave e flexível como a água.
Ainda sim, para dissolver o rígido e inflexível,
nada a supera.
O suave supera o forte;
o gentil supera o rígido.
Todos sabem que isso é verdade,
mas poucos conseguem pôr em prática.

Palavras de minha estimada irmã Julia Rodrigues, uma visionária do belo.
Abrasa a brasa do Brasil



Cansa o meu seio. Um alarde plasmático sussurra seus berros no gueto entrevado das grandes megalópoles. Uma sinfonia retumbante regenera o ventre da mãe gentil. Ó pátria fincada! Enterrada no néctar da brasilidade. Três cardumes enormes regem a mancha social. Os aprendizes, células produtoras da força, e uma dispensa de inutilizáveis. Suculentos são seus produtos. Um bagaço cultural é o seu sistema patriarcal. Hum!!
Enquanto caboclos chupam a manga no beiral do cerrado, retirantes zombeteiros esganiçam as traquéias em vão no semi-árido. Aberto o poção salubre, abrem-se mais outras covas rasas no marasmo. A cachaça do solo, rasgadeira e regojizada, desce estridente no intestino oco. E o humano pau-seco urina ácido e raspa o sebo do seroto.
Mequetrefes mostram todo seu futebol para os magnatas do velho mundo. Putas esforçadas são forçadas e liberar seu íntimo, e estão sempre machucadas com a teimosia de seus organismos em não perceberem o prazer, resguardando assim a lubrificação da mucosa. Seus ventres ardem como ardem também as caneliças futebolísticas. Nossos cérebros são patenteados pelo império.
Logo em berço vem o sambão na sua cadência, regurgitando rabos flácidos e glândulas mamárias de plástico. Afinal, o morro se orgulha de traficar o tóxico para o mundo, e o animal estrangeiro entorpecido pela bunda real logo se esculhamba todo na mão do trombada mor. Assim como o samba verdadeiro é o raiz, o crime impune é o brasileiro.
Assim as camadas vão se acomodando no seu saneamento primata, pois assim como em coração de mãe cabe mais um, em moradia sempre cabe mais uma família de ratos e uma perebinha infecciosa. Adiante! Caminhemos para mais um patrimônio tombado nacional, as árvores que mobíliam a casa e injetam energia na indústria. Quantas raízes haverão de tombar e quantos pistoleiros haverão de matar, pelo bem da extinção da Amazônia! Cu!
Animais subalternos e bestiais ainda enjaulam outros, muito mais belos e valiosos. Arara Azul e Mico-leão Dourado é o escambal! O que vale agora são as verdinhas monetárias, e não as cascas biodiversas da naturalidade.

terça-feira, 18 de março de 2008

O Canto da Cidade

A cor dessa cidade sou eu
O canto dessa cidade é meu
A cor dessa cidade sou eu
O canto dessa cidade é meu
O gueto, a rua, a fé
Eu vou andando a pé
Pela cidade bonita
O toque do afoxé
E a força, de onde vem?
Ninguém explica
Ela é bonita
O gueto, a rua, a fé
Eu vou andando a pé
Pela cidade bonita
O toque do afoxé
E a força, de onde vem?
Ninguém explica
Ela é bonita
Uô ô
Verdadeiro amor
Uô ô
Você vai onde eu vou
Uô ôVerdadeiro amor
Uô ôVocê vai onde eu vou
Não diga que não me quer
Não diga que não quer mais
Eu sou o silêncio da noite
O sol da manhã
Mil voltas o mundo tem
Mas tem um ponto final
Eu sou o primeiro que canta
Eu sou o carnaval

sexta-feira, 14 de março de 2008

Dá pra mim, dadá dadinho

Dá, dodado dadão

Razão real pela batina furada. Cão meia em botina acrílica. Aff! Hunf! Bluuum!!!? Gatilha furúnculo...!.... Rasgão, rasshgs! (Assobio de coito – moeda tronca).
Cai, cai balalão!: bufa bem bolada. Embolora grill autópsia. Pereba, curuba, pré-limbo, ehh Zé Gosmão. Brrlrum. Gira concreto lambe bala.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Provérbio Vivo

Numa vila distante do mundo vivia um ancião em seus últimos dias de vida. Diante de seus olhos familiares e amigos encontraram a morte, vítimas da covardia e da violência injusta. Restou na família somente o velho patriarca e seu neto, ainda muito criança. Desgostoso de si e de tudo, o homem tinha perdido a esperança de ver sua linhagem gerar frutos.

Como se regasse um arbusto já antigo, o garotinho cuidava do avô, enfermo e debilitado. Um dia, ao trazer ervas e água junto de um verde bosque banhado por um regato, a criança, muito curiosa, quis saber qual a última coisa que o avô gostaria de fazer em vida.

O velho, surpreso com a pergunta inesperada do neto, reuniu o último vigor restante no corpo e levantou-se do leito de morte. “Quero plantar uma figueira”, respondeu com firmeza.

Juntos, saíram os dois para o bosque. O neto o acompanhou em silêncio, sem mais nenhuma pergunta. No caminho, o ancião observava atentamente as árvores mais velhas, e ria-se ao perceber mudas florescerem na margem da trilha.

Ao chegarem no local escolhido pelo avô, o neto cavou um pequeno buraco na terra e fitou os olhos dele, aguardando a mão do homem depositar a semente. À revelia, uma pergunta ardia no coração da criança, ávida em descobrir o sentido de tudo aquilo. “Porque o senhor se daria ao trabalho de vir até aqui, com a morte já tão próxima, para plantar uma árvore que você não poderá cuidar, ver crescer, florescer e dar os mais belos figos?”, indagou.

O velho esboçou um leve sorriso para o garoto e lentamente estendeu a mão com a semente da figueira para o buraco, cobrindo-o suavemente com terra sem tirar os olhos do neto. “Meu pequeno, eu não plantei esta árvore com a esperança de vê-la tornar-se bela e vigorosa. Eu o fiz com a única intenção de que você, em breve, suba na parte mais alta de sua copa e colha os mais doces figos para seus filhos”.


As gerações da vida são como as árvores, se não a cultivam e zelam por elas, jamais terão herdeiros.

Plante uma aprendizagem, plante um verde. Mas acima de tudo, plante uma vida.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Minha Menina

Obra Prima dos Mutantes composta pelo Mestre Jorge Ben Jor

"Homenagem àquela
mulher que você ama, mas
não entende porquê."



Ela é minha menina
Eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela
A lua prateada se escondeu
E o sol dourado apareceu
Amanheceu um lindo dia
Cheirando a alegria
Pois eu sonhei
E acordei pensando nela
Pois ela é minha menina
E eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela


A roseira já deu rosas
E a rosa que eu ganhei foi ela
Por ela eu ponho o meu coração
Na frente da razão
E vou dizer
Pra todo mundo
Como eu gosto dela
Pois ela é minha menina
E eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela


Ela é minha menina
Eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela
A lua prateada se escondeu
E o sol dourado apareceu
Amanheceu um lindo dia
Cheirando a alegria
Pois eu sonhei
E acordei pensando nela
Pois ela é minha menina
E eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela


A roseira já deu rosas
E a rosa que eu ganhei foi ela
Por ela eu ponho o meu coração
Na frente da razão
E vou dizer
Pra todo mundo
Como eu gosto dela
Pois ela é minha menina
E eu sou o menino dela
Ela é o meu amor
E eu sou o amor todinho dela
Minha menina,
Minha menina...



Grande Gênio Jorge Ben, talvez o brasileiro que melhor entendeu as fêmeas.
E soube passar para o papel e para música o que os homens sentem por elas.
Pranto Lúgrube



Os homens que cavam a fundo suas tristezas aram movidos a desgosto e semeiam lágrimas, regam tudo com pesadelos e podam as esperanças, colhendo seus piores desesperos.



Nenhum homem jamais deveria esquecer tais palavras, a fim de que sua alma não sirva, jamais, de alimento para o ódio, a soberba e a intemperança. E, mesmo que a esperança seja podada para esses seres, ela terá, sempre, sua própria chance de crescer sozinha.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Gozo Insatisfeito


Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento de minha mocidade, experimento
O mais profundo e abalador atrito... Queimam-me o peito cáusticos de fogo
Esta ânsia de absoluto desafogo
Abrange todo o circulo infinito.
Na insaciedade desse gozo falho busco no desespero do trabalho,
Sem um domingo ao menos de repouso, Fazer parar a máquina do instinto, Mas, quanto mais me desespero, sinto A insaciabilidade desse gozo!



A dança do psique

A dança dos encéfalos acesos Começa. A carne é fogo. A alma arde.
A espaços As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos!
E então que a vaga dos instintos presos- Mãe de esterilidades e cansaços -Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos
Subitamente a cerebral coréia
Pára. O cosmos sintético da idéia surge.
Emoções extraordinárias sinto
Arranco do meu crânio as nebulosas
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!


Augusto do Anjos

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Oriunda Poesia



Sabe-se que a poesia poderia ser feita mesmo se nunca tivesse existido poesia
Diz-se também que a poesia real é a dos mudos
Das aves vindouras
E das pedras abatidas


O recurso poético transgride o que se faz presente
E resgata o que ainda nem passou a existir
Logo os neurônios provem do poema
E o verbo lambe a orla do pensamento


Quantas cachaças soberbas devaneios não criaram
Que bocas não deliraram letras e condutas
Quais peitos não compeliram
Implacáveis
O ódio singular


A beleza da junção
E o esplendor do veneno
Compõem o Sagrado
Nominável do inexpressivo
Como baluarte da oração
Num brasão em ascendência



Jamais a visão da aurora transpassará o consciente
As sementes do caráter maculando a terra
Assediando as percepções da doutrina
Incólumes como o inanimado



O provimento da palavra haverá de se calar
O movimento do gesto se imobiliza no seu erro
O contorno da expressão esmorece no esquecimento
Mas a Oriunda Poesia fere o olhar eternamente
Atemporal como o riso do mundo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Poesia em Puberdade

Fico estático
Em estado de puberdade
Fui adulto fui idoso
Sou criança
Beijo Borboletas e amanso pedras
Vindo do pau amarelo da voz da foz

O tordo anuncia o vigor da cria
O berro novo vem bonito e juvenil
Da cisterna salta a gota lânguida
E o cheiro-grama acalenta a flora bem nascida

Vem limpando o suor o parrudo pescador
Rasgando o baque na fibra jovem da rede
Logo o peixe cospe e se contorce
Tua espinha num colar no peito na quemerse

Morros e Serras entortam os lados do céu
Se ferem as falanges hostis no fio do beiral
Reluz a pele do menino na tarde viril
Brotando o desejo na crina da nuca real.
Amor de Árvore


Um caule não ama como um homem
Suas raízes amam toda a terra
E um punhado dela abraça a muda nova

Sais minerais convém como afagos no vento
E o ar mirado traz o pólen mínimo
Tão importante quanto o bruxulear dos galhos

O fruto surge como o talento da flora
Tesouro da espécie e filho da flor
Com as folhas a enfeitar a copa vívida

No casco do tronco vive a origem
O húmus remaneja o ciclo e reencarna
O sol beijando a clorofila que injeta o sustento

Cada estação traz a sua boa nova para a arbustagem
E cada arbusto revela sua época viçosa
Celebrando a primavera na beleza do acasalamento

O bico da pássaro carrega a mensagem
As sementes acomodam-se no leito do solo virgem
Naturalmente escancarando a independência selvagem

Umas se enroscam nas outras pedindo um ombro amigo
O verde agradece acolhendo o canário no ninho
E a água abastece somente pedindo beleza na margem

A floresta suspira e admite as raças no seu ventre
As espécies clamam e percebem seus dons
E à sombra do pomar se deleitam com seus cheiros

O arvoredo ama sem necessitar ser amado
Seus iguais o amam e juntos se mantém em pé
Balançando e recebendo a fauna com ternura

A verdura vêm sendo aos poucos ofendida
Mas tem perseverança e continua a procriar
Como enraizada teimosia do Poder da Vida.