terça-feira, 27 de maio de 2008

A Bota dos Altos




Sapatos classudos entrebatem no chão jocoso do logradouro rentável
Roçam-se eles suavemente na orla das cerâmicas enceradas -
tácitas e impecáveis
Uma em cada peça dessa – feita para a lona, de pisar –
mais valiosa e preferível que as sandálias do rueiro
Marrentos ambos
Rueiro esse de pé manco, marcado e mal nascido
O calçado em couro largo, esgarçado e mal doado
Em cima, sobre o calcanhar a canela sôfrega
em baixo, sob a sola a fatia almôndega
A botina alta que beija o piso logo se esfrega
no conforto púrpura almofadado
E o mendigo ralo que no batente se encosta
logo adoece com o mijo de um rato
Palmilhas e modelitos invejáveis de status
Reconfortam os pés polidos de donos abastados
Moldam as colunas mercantis e sórdidas
do calçamento privado
Alongam as fileiras infindáveis da moda egoísta
e do poder concentrado
Uma reles e pútrida combinação mesquinha
de vestuário com miséria empregatícia
A divisão do trabalho numa aquisição baixa
poucos em cima do salto alto e muitos sobre uma caixa
O couro mais fino e trabalhado, enfeitando o pé da luxúria,
advindo da indústria
O tal calo na mão dos proletários, subalternos de seus salários,
adquirindo o calçado inqualificado, o mais barato.


Daniel Monteiro

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